segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

O MUNDO ENCANTADO DA FEIRA LIVRE


Lá se vão algumas dezenas de anos. Entre cinco e seis com certeza! Acompanhado de minha sempre amada vó Eva frequentava,  todo sábado, religiosamente, a feira livre da avenida Francisco Glicério (que foi jornalista), entre o canal 1 e o 2, na minha também amada Santos. Era um programa legal. Legal mesmo!. Saíamos de casa ai pelas 8:30/9 h, andávamos umas  3, 4 quadras e entrávamos no mundo encantado da feira livre. Dona Eva era conhecida pela maioria dos feirantes.

Com seus cabelos claros cacheados, tal e qual o mais lindo dos anjinhos barrocos, observava tudo com aqueles seus maravilhosos olhos verdes, ajudados por seus simpáticos óculos sem aros, que hoje estão na moda.

Eu seguia, orgulhoso, a "celebridade" carregando as sacolas com as frutas e legumes escolhidos "a dedo" pela atenta freguesa. Verduras eram poucas. Dona Eva tinha uma pequena horta que abastecia a casa com chicória, alface, agrião e outros verdes. Mas comprava ali o azeite português (não isso ela comprava na venda do seo Maneco, na esquina da Tarqüinio Silva - nome próprio mantém o trema - com a Saturnino de Brito), o feijão branco, a fava, o grão de bico, o bacalhau, o peixe que fazia com maestria qualquer receita. Afinal, minha vó Eva era uma verdadeira lusitana e cozinhava, como poucas, qualquer prato. Até mesmo o simples ovo estalado era imbatível. E o é até hoje!

Por falar em hoje, neste sábado fui à feira. Exatamente a mesma da Francisco Glicério. E, por incrível que pareça, é a mesma, a mesmíssima feira de dezenas de anos passados. Todas as bancas estão lá, com sua verduras, frutas, roupas, frangos, peixes, azeites, quinquilharias, garapa (hoje chamada caldo de cana), consertando panelas, vendendo roupas, sapatos.

E os feirantes então -  não as mesmas pessoas -  mais ainda são os mesmos com seus chamados: "olha aqui freguesa (eles nunca se referem ao freguês, embora nos dias atuais o número de homens comprando na feira seja muito grande, ao contrário de priscas eras) leve duas e pague uma; bacia por 3, dúzia da banana a 5 (na feira ela ainda é vendida por dúzia, como no tempo da vó Eva), cada feirante gritando mais que o seu vizinho.

E, por incrível que pareça, o mais famoso jargão da feira livre ainda existe: MOÇA BONITA NÃO PAGA! MAS TAMBÉM NÃO LEVA.

Uma coisa que não havia nas antigas feiras eram as baciadas, que surgem depois das 12, ou 12:30, quando algum produto começa a "encalhar". Separam os mais "machucados", colocam numa pequena bacia de plástico e vendem a preços atraentes, como 2 "real", até a uma e meia da tarde.

Após esse período, chega a hora do dona "Xepa", personagem da novela do mesmo nome,  de Gustavo Reiz, magnificamente interpretada por Yara Cortes, na Globo, em 1977. Aí a disputa entre os feirantes cresce. Os preços dos produtos - aqueles que não podem ser guardados para a feira do domingo, mais adiante na mesma avenida, mais próxima da Ana Costa - caem vertiginosamente, e aparecem as donas "Xepas" e, nos tempos atuais,  também os seus "Xepos".



Os gritos com ofertas crescem e quando bate as duas da tarde, as barracas começam a ser desmontadas, as balanças desligadas (hoje são eletrônicas que, no tempo da minha vó, eram aquelas com bandejas laterais em que o produto era colocado numa delas e o peso equivalente, em metal, no outro, o que causava muita desconfiança quanto a seriedade da pesagem).

A partir desta hora os caminhões começam a invadir o vão central da feira, para recolher barracas e embarcar o que não foi vendido.

Como em tempos passados, são caminhões velhos, mal conservados, soltando fumaça escura, poluindo o caminho e assustando quem deixou para ir à feira na hora da Xepa.


Acordando a vizinhança

Mas a feira livre começa muito antes, principalmente para a vizinhança que é acordada, no início da madrugada, pelo barulho terrível que estes mesmos caminhões maltratados, com seus roncos ferozes e os gritos daqueles que montam as barracas, ajeitam seus produtos nas bancas, esperando que não chova e que o dia tenha bons resultados.

Mas, apesar da bagunça da madrugada, dos caminhões que não poderiam mais estar circulando (mas isto a CET não vê. Como não vê nada de errado na cidade, né?) a feira livre é algo que deve ser frequentado. Mas não vá apenas para comprar o que quer que seja, mas para conhecer este mundo encantando que é a feira livre. 
Quer seja na hora Xepa, ou não.

chicolelis

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