terça-feira, 15 de janeiro de 2019

O PRESIDENTE QUE PAGAVA MAIS CARO PARA ENGRAXAR SEUS SAPATOS


Nos tempos em que menores podiam trabalhar, lá na General Motors tinha um grupo de garotos que engraxavam sapatos por toda a fábrica. Eram filhos de funcionários que se candidatavam a receber uma "graninha" para fazer este trabalho. E a exigência era que estudasse e fosse bom aluno. Não fosse assim, estava fora.

Ganhavam uniforme, a caixa de engraxate e equipamento (escovas, graxa marrom e preta, panos....) e lá iam eles em busca de clientes pela fábrica. Quem estudava pela manhã, trabalhava à tarde. E vice-versa.

Cliff Vaughan, o presidente da GM, entre 1983 e 1987 era extremamente simpático e um dos clientes do garoto que atuava nosso andar, no prédio da empresa, em São Caetano do Sul. Além de da simpatia, era grande pra caramba. Tinha pelo menos 2 metros de altura. E, para manter o equilíbrio, seus pés calçavam 48 ou 49, se não fosse 50. Ou mais.

Um dia, quando engraxava meus sapatos, perguntei ao garoto se o presidente pagava os mesmos 3 dinheiros (sabe-se lá qual era a moeda da época, mas acho que era Cruzeiro) que eu, com um pé muito menor.

- Sim, ele paga o mesmo que vocês. Não tem diferença.

Ainda que em tom de brincadeira disse que aquilo era injusto. Com aquele sapatão, o Cliff (que, infelizmente,  faleceu em 2010), tinha que pagar mais.

Argumentei que ele usava mais tempo, mais graxa e precisava de mais daqueles pedaços de celulose para proteção das meias. Dai, não havia porque pagar o mesmo que os outros.

- Explique para ele e diga que precisa pagar mais.

- Será? Ele não vai brigar comigo?

- Qual o que, o Vaughan é um cara muito legal. Tenho certeza que ele vai entender a situação e pagar um extra para você.

Com olhar ressabiado e garoto saiu da minha sala.

Três dias depois soube o resultado do meu conselho ao jovem engraxate.

Cliff Vaughan entrou na minha sala com cara de bravo e disse em  perfeito Português, mas não abandonando o seu baita sotaque de Cincinnati (Ohio/EUA):

Chicolelis, você está me devendo dinheiro.

E rindo explicou que agora estava pagando a mais pela engraxada, porque seu sapato era muito grande.

- E por que eu tenho que pagar? Perguntei.

- Porque foi você que disse ao nosso engraxate para me cobrar mais caro.
 
Demos boas risadas. Ele voltou para seus afazeres na presidência e eu para meus releases.

* Em função do Estatuto do Menor e da Criança,  a GM encerrou as atividades dos engraxates em suas fábricas. Com isso, os jovens, perderam a "graninha" para suas idas ao cinema, comprar coisas de sua preferência e até ajudar em casa. Exageros de uma Lei criada sem o menos cuidado e que prejudicou um monte de jovens que faziam um trabalho honesto e eram obrigados a manter um bom nível na escola. AGORA, MUITOS JOVENS TRABALHAM PARA O TRÁFICO. 



5 comentários:

  1. Há quem diga que engraxates chegaram ao posto de supervisor e/ou superintendente na planta de SJC!

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  2. Uma pena a fobia pelo "trabalho infantil". Esqueceram da formação do caráter, do convívio e compreensão do universo que uma criança enfrentaria no futuro, sem falar na renda adicional para a família, a obrigação de estar estudando, o convívio social, as refeições garantidas,a perspectiva de futuro (muitos dos meus amigos foram engraxates e ascenderam profissionalmente e se transformaram em pessoas influentes e capazes. Uma pena que o estatuto do menor tenha proporcionado um desserviço para o público alvo desta escola maravilhosa. O mesmo podemos dizer do lindo programa da GM com os "Jovens Empresários". Estas são distorções desta cruzada contra trabalho infantil. Qualquer um destes "programas" jamais exploraram crianças ou adolescentes. Uma pena que a lei não proporcionou espaço para trabalhos tão lindos e gratificantes. Uma pena...

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Pura verdade Jocelyn, concordo plenamente com as suas palavras. O Sr. Alvarino A. Santos , gerente em SJC foi engraxate assim como muitos profissionais altamente qualificados que tiveram seus exemplos de conduta dentro da GMB

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